O Bioma Mata Atlântica no Rio Grande do Sul

Quando saímos da região metropolitana em direção ao litoral norte, ou quando subimos a Rota do Sol em direção à serra, cruzando vales cercados por florestas e nos deparando com a manta verde que cobre os morros da Serra Geral, estamos na verdade apreciando toda a exuberância da Mata Atlântica e passando por uma das áreas naturais com maior biodiversidade do estado no Rio Grande do Sul; Quando viajamos pela Estrada do Mar em direção à Torres, observando os diversos capões de matas ao longo da rodovia e o cordão de matas e dunas ao chegar no Parque Estadual da Itapeva, estamos na verdade sendo agraciados com tipos de florestas mais jovens da Mata Atlântica no estado; Quando estamos passeando pela Serra, aproveitando os melhores vinhos e desfrutando das paisagens bucólicas de campos e araucárias, na verdade estamos passeando em meio a um tipo de vegetação da Mata Atlântica que ocorre em quase sua totalidade somente no sul do Brasil; Quando cruzamos a costa doce ao longo da Lagoa dos Patos em direção à Pelotas, estamos, sobretudo, cruzando uma porção florestal de Mata Atlântica que adentra e se encrava no Pampa Gaúcho, e que forma em vários locais um encontro magnífico de floras originadas de diferentes regiões do continente americano; E quando vamos para o centro-norte conhecer toda a grandiosidade do Rio Uruguai e parte da região missioneira, estamos visitando uma das áreas mais antigas de Mata Atlântica no estado. Se você vive nestas áreas, você certamente usufrui, de maneira direta ou indireta, de todos os benefícios que a Mata Atlântica oferece para nós gaúchos.

Se olharmos com atenção para todos esses lugares, vamos perceber que as florestas que compõem a Mata Atlântica no Rio Grande do Sul apresentam fisionomias distintas, além de ocorrerem em locais com climas, relevos e tipos de solo diferentes. A Mata Atlântica é isso: um complexo formado por diferentes tipos de vegetação que se distinguem, principalmente, em relação ao seus conjuntos de espécies constituintes, as quais são influenciadas e se distribuem de acordo com variações geoclimáticas (por exemplo, a quantidade de chuva e de temperatura de um lugar para outro). Todas essas nuances florestais e paisagísticas compõem o que os biólogos e ecólogos chamam de Bioma, no caso aqui, o Bioma Mata Atlântica. Embora este Bioma apresente diferentes tipos de vegetação, ainda assim apresenta origens geológicas e condições climáticas similares que possibilitam o surgimento de uma biodiversidade única no planeta Terra. Considerando as classificações mundiais da vegetação, o bioma Mata Atlântica é uma Floresta Tropical, similar à Floresta Amazônica e às florestas tropicais da Ásia e da África.

Os diferentes tipos de vegetação que compõem a Mata Atlântica possuem nomenclatura técnica para distingui-los. Dessa forma, o Bioma Mata Atlântica é representado no Rio Grande do Sul pela Floresta Estacional Decidual (localizada no oeste e centro do estado, principalmente na bacia do rio Jacuí), pela Floresta Estacional Semidecidual (coincidindo com a bacia do Rio do Sinos e parte leste da Serra do Sudeste), pela Floresta Ombrófila Mista, também denominada de Mata de Araucárias (Região da Serra), pela Floresta Ombrófila Densa (encostas e sopés da Serra Geral no litoral norte) e pelos ecossistemas de restinga (ao longo de toda zona costeira no litoral). Além disso, cabe salientar que na metade sul do estado ocorre o Bioma Pampa, onde predomina a vegetação de campo. Embora a vegetação campestre seja típica do Pampa, ela pode ocorrer em algumas regiões da Mata Atlântica, como na região da serra (campos de cima da serra) e do litoral, muitas vezes ocorrendo junto a banhados.

A Mata Atlântica é uma das maiores áreas florestais das Américas, sendo a segunda maior área de floresta tropical úmida da América do Sul, correspondendo a 12% da superfície terrestre do Brasil e estendendo-se por 3300 km ao longo de quase toda a costa leste brasileira. Originalmente, esta formação se estendeu quase que continuamente do Rio Grande do Norte e Ceará até o Rio Grande do Sul, abrangendo 150 milhões de hectares.

O grandioso botânico teuto-sulriograndense Pe. Balduíno Rambo, que viveu na primeira metade do século XX e estudou como ninguém a flora e a vegetação do estado, teorizou que as espécies que compunham as florestas do Rio Grande do Sul teriam adentrado por duas rotas principais no estado: A primeira é pelo litoral norte através da faixa de terra baixa que há entre o mar e a serra, a qual ele denominou de “Porta de Torres”. Entraram por esta via as espécies provindas do litoral da região sudeste do país, passando por PR e SC, adaptada ao clima úmido e chuvoso das encostas da serra. Algumas dessas espécies tem seu limite de distribuição na altura de Osório, onde a Serra Geral adentra ao continente e o clima começa a mudar, outras mais tolerantes continuam caminho e alcançam o centro do estado. A segunda rota é pela região do Alto Uruguai, por onde passaram as espécies provindas da bacia do Rio Paraná, originadas em parte da região amazônica e do centro do país. Estas espécies descem pela bacia do Rio Jacuí e alcançam também o centro do estado. Essa é a floresta que chegou primeiro (mais antiga) e que apresenta um maior porte, com seus angicos, grápias e alecrins enormes.

A Mata Atlântica abriga uma parcela significativa da diversidade biológica do Brasil e do mundo. Os seus remanescentes florestais ainda guardam altos índices de biodiversidade de fauna e flora e prestam inestimáveis serviços ambientais de proteção de mananciais hídricos, de contenção de encostas e de regulação do clima, por exemplo. Neste sentido, esse bioma é fonte direta de recursos para grande parte da população brasileira, visto que 65%, cerca de 120 milhões de pessoas, vivem nele. Atualmente, a Mata Atlântica encontra-se reduzida a 11%-16% de sua área original, de forma altamente fragmentada. A quase total degradação de suas florestas associado aos altos níveis de riqueza e endemismo, a colocou como uma área prioritária para conservação da biodiversidade no mundo.

Preservar a Mata Atlântica é, sobretudo, manter o funcionamento dos ecossistemas que a compõem e, consequentemente, a saúde do ambiente em que vivemos. Neste sentido, embora saibamos que atividades econômicas e intervenções na natureza são processos comuns da sociedade moderna e do sistema socio-econômico, nosso papel se expressa na tentativa de organização do uso do ambiente natural e na minimização dos impactos ambientais, tendo em vista que o manejo adequado e a proteção dos recursos naturais são essenciais para a manutenção do Bioma Mata Atlântica.

 

AUTOR: DR. RONALDO DOS SANTOS JÚNIOR

Biólogo – Licenciar Consultoria Ambiental

 

 

REFERÊNCIAS

CAMPANILI, M. et al. (Org.). Mata Atlântica: patrimônio nacional dos brasileiros. Brasília: MMA, 2010.

STEHMANN, J. R. et al. Plantas da Floresta Atlântica. Rio de Janeiro: Jardim Botânico do Rio de Janeiro, 2009.

OLIVEIRA-FILHO, A. T.; FONTES, M. A. L. Patterns of floristic differentiation among atlantics forests in southeastern Brazil and the influence of climate. Biotropica, 32: 793-810, 2000.

RAMBO, B. A Fisionomia do Rio Grande do Sul. 3º ed. São Leopoldo: Unisinos, 1956.

TEIXEIRA, M. B. et al. Vegetação. In: Folha SH.22 Porto Alegre e parte das folhas SH.21 Uruguaiana e SI.22 Lagoa Mirim: geologia, geomorfologia, pedologia, vegetação, uso potencial da terra. Rio de Janeiro: IBGE, p. 541-632, 1986.

RIBEIRO, M. C. et al. The Brazilian Atlantic Forest: How much is left, and how is the remaining forest distributed? Implications for conservation. Biological Conservation, v. 142, p. 1144-1156, 2009.